Hades e Persephone: A União Sombria e o Mistério Do Submundo.
Os Criadores e as Criaturas.
Antes que o mundo fosse moldado e o tempo se desdobrasse, existiam os Criadores. Seres primordiais, cuja essência transcende o entendimento humano, habitavam as profundezas do invisível, onde o silêncio é absoluto e a escuridão se entrelaça com a promessa da luz. Nesses abismos imaculados, forjaram a ordem a partir do caos e deram forma ao vazio, seus gestos primordiais lançando os alicerces do cosmos.Estes Criadores não eram como as frágeis criaturas que viriam depois. Seus pensamentos eram as forças que pulsavam na própria tessitura da realidade; suas vontades, leis imutáveis que regiam tudo que respira e se move. A eternidade os vestia como um manto, sua soberania pairava acima dos ciclos de vida e morte. Intocáveis e inatingíveis, eles não se curvavam às esperanças ou desespero dos mortais, mas existiam para além do amor e do ódio, além do desejo e da piedade. Eram a própria substância do universo, suas mãos invisíveis desenhando montanhas e rios, erguendo tempestades e silêncios, modelando a terra e os céus em veneração muda.
Entre esses deuses e suas criações há um abismo insondável, um mistério que nunca se revela completamente. As criaturas, frágeis centelhas de existência, compreendiam instintivamente seu lugar: sombras perante a eternidade, faíscas diante do imutável. Em sua sede por entendimento e consolo, ergueram templos, ofereceram sacrifícios, invocaram nomes e hinos, buscando apaziguar ou decifrar o enigma daqueles que controlavam seus destinos. Pois cada ser vivente intuia que sua breve existência era apenas um suspiro diante dos Criadores, cujo olhar distante velava o ciclo de todas as coisas.
Mas aos Criadores, o que é adoração? O que é o temor? Eles não concedem por misericórdia, nem punem por vingança. São potências puras, eternas e enigmáticas, que concedem e retiram conforme uma ordem superior, uma harmonia oculta que pulsa nas veias do cosmos, inacessível à compreensão humana. Sob seu olhar, o universo desdobra-se em um ritmo incompreensível, uma dança silenciosa em que cada criatura se move como um eco distante, enquanto as estrelas, impassíveis, testemunham o eterno desfiar da vontade primordial.
Assim, sob o olhar dos Criadores, o universo reverbera, e o destino das Criaturas ecoa em sua silenciosa obediência ao mistério eterno. Eles são os guardiões do cosmos, senhores do que é e sempre será — os Criadores, cuja majestade não se pode nomear, e as Criaturas, que caminham sob a sombra e a luz desse enigma imortal.
Hades e Persephone.
A União Sombria e o Mistério do Submundo.
Comecemos pelo nome “Ἅιδης - Hades”, palavra que ecoa mistério e profundidade abissal. Em sua etimologia, “Hades” deriva do grego antigo Ἅιδης (Háidēs), que sugere o significado de "o Invisível" ou "aquele que não se vê". A origem do nome evoca o papel de Hades como o soberano das profundezas invisíveis, um senhor das sombras onde nenhuma alma ousa olhar de volta. Seu domínio é vasto e sombrio, muito além da percepção mortal, cercado por rios e portais que protegem segredos e enigmas impenetráveis. Na essência do nome, Hades não é apenas o lugar, mas uma entidade que rege o território daquilo que é oculto, mantendo sob seu domínio as almas e mistérios que a vida se esforça por ignorar.Fisicamente, Hades não é um monstro horrível como as lendas modernas o pintam. Ele é descrito como um ser de beleza sombria, com traços imponentes e um semblante inabalável. Sua presença é imensamente magnética e densa, como a gravidade que atrai tudo para o seu reino. Muitas vezes, é retratado com uma barba negra e um olhar penetrante, características que revelam tanto sua sabedoria quanto seu papel de juiz incorruptível. Armado com o capacete da invisibilidade, um presente dos Ciclopes, Hades se move no mundo sem ser percebido, um atributo fundamental para um deus que se relaciona com os mistérios da morte e do renascimento.
Seu mundo, o submundo ou o "Hades" como foi chamado, é um reino de equilíbrio entre a justiça e o destino. Dividido em regiões distintas, como o Érebo e os Campos Elísios, seu reino contém tanto sofrimento quanto paz, refletindo a complexidade da morte. Hades governa essas terras com Caronte, o barqueiro, e Cérbero, o feroz cão de três cabeças que guarda as portas. Seus poderes se estendem ao controle das riquezas ocultas da terra, desde metais preciosos até pedras preciosas que simbolizam o mistério da existência. Este domínio faz de Hades também um deus de riqueza, conhecido como Plutão pelos romanos, um nome que deu origem ao termo “plutocracia” – o governo dos mais ricos.
A figura de Hades é sincretizada ao longo dos tempos com outras representações da morte e da riqueza. Na Roma antiga, ele se torna Dis Pater, o “pai dos ricos”, e posteriormente é associado a conceitos cristãos do inferno e do demônio, uma interpretação equivocada que enfatiza a escuridão e omite sua função de equilíbrio e ordem. Nos tempos modernos, Hades é frequentemente confundido com o próprio conceito de maldade, uma distorção de sua verdadeira natureza como guardião do ciclo de vida e morte.
Περσεφόνη - Persephónē.
A Deusa Raptada.
A Portadora Da Destruição.
Perséfone, cujo nome carrega o mistério em cada sílaba, é também conhecida por sua etimologia, que sugere um significado profundo e ameaçador: "a portadora da destruição" ou "aquela que traz a morte". O nome Perséfone pode ter raízes na palavra grega que significa “destruir” ou “matar”, o que já anuncia seu papel enigmático na narrativa. Filha de Zeus e Deméter, Perséfone era a deusa da primavera e da fertilidade, uma figura pura e ingênua que atraía a admiração e a inveja por sua beleza etérea.Enquanto brincava entre as flores nos campos da Sicília, o destino orquestrado pelos deuses a alcançou, e Hades, encantado por sua beleza, a raptou, levando-a para o submundo. Esse ato foi interpretado ao longo das eras como uma metáfora para o ciclo das estações, onde Perséfone, ao descer ao submundo, representa a morte da vegetação e o começo do inverno. Quando retorna, traz consigo a primavera e a vida renovada. O mito da deusa raptada é um dos símbolos mais profundos de renovação e transformação, e sua associação com Hades faz dela uma figur
a dual, que transita entre a luz e a escuridão, a vida e a morte.
O Incesto Divino e Suas Implicações.
Entrando no tema do incesto, o próprio termo deriva do latim "incestus", que significa “impuro” ou “profano”. Na mitologia dos deuses, no entanto, as relações entre parentes não carregavam o mesmo estigma que na moralidade humana, pois os deuses estavam além das limitações e convenções terrenas. O enlace entre Hades e Perséfone, tio e sobrinha, representa uma união que transcende os valores humanos e espelha a concepção grega de uma divindade que abrange todas as forças da natureza, inclusive aquelas vistas como tabus.A ligação entre Hades e Perséfone simboliza uma convergência entre forças complementares: a morte e a renovação, o inverno e a primavera, o oculto e o manifesto. Essa relação insinua a ideia de que a criação e a destruição estão eternamente ligadas, e que a existência é um ciclo inquebrável de vida e morte. Hades, como o senhor do submundo, e Perséfone, como a deusa da primavera, são os guardiões desse ciclo eterno, onde o incesto é uma expressão simbólica da continuidade da criação entre deuses imortais.
Com essas nuances, o mito de Hades e Perséfone não apenas nos transporta para um universo sombrio e sedutor, mas também revela camadas profundas sobre a natureza da existência e o equilíbrio cósmico.
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